Os principais motivos são o estresse, os salários baixos, o aumento das demandas e a falta de estrutura para atender às exigências cada vez maiores nas escolas e universidades
De 1º de janeiro a 30 de junho de 2025, pelo menos 1.174 professores apresentaram pedidos de demissão voluntária às suas escolas e universidades da rede privada no Rio Grande do Sul, seja para mudar de carreira, seja por descontentamento com seus antigos empregos. Em pouco mais de cinco anos, quase 10 mil docentes do ensino privado gaúcho “pediram para sair”.
Os docentes da educação básica – fundamental e médio – (58,5%) são os que mais recorreram a esta modalidade de desligamento, seguidos pelos da educação infantil exclusiva (24,5%) e da educação superior (17%).
Além de superar a marca obtida no ano passado, durante o mesmo período, o número representa praticamente a metade do total de desligamentos. Ou seja, em apenas um semestre, o montante já equivale a 63% de todas as demissões de 2024 nos dois semestres.
De acordo com levantamento solicitado pelo Extra Classe ao Sindicato dos Professores do Ensino Privado (Sinpro/RS), os pedidos de desligamento voluntário têm se mantido elevados nos últimos cinco anos, com números acima dos três dígitos e até mesmo ultrapassando as demissões por iniciativa do empregador.
Em 2020, por exemplo, foram 965 pedidos. Já no ano seguinte, o número pulou para 1.596. Nos anos posteriores, os números se mantiveram sempre em torno de 2 mil professores. Entre 2020 e o primeiro semestre deste ano, 9.585 docentes pediram para sair de seus empregos ou mudaram de ramo.

A professora Cecília Farias, diretora do Sinpro/RS e coordenadora do Núcleo de Apoio ao Professor (NAP), avalia, a partir da escuta realizada antes e após as demissões com os professores acompanhados pelo Núcleo, que a insatisfação com as condições de trabalho, a remuneração incompatível com o excesso de tarefas e o pouco tempo para descanso e convivência com a família e vida pessoal, além de situações de estresse e adoecimento, estão entre as principais alegações dos profissionais.
“A gente tem acompanhado as rescisões dos professores aqui no Sindicato, e um número cada vez maior de professores está pedindo para sair. Às vezes, é desistir da docência, mas outras vezes, sair da escola privada, que paga um pouco melhor, para ir para a escola pública, que não paga tanto, mas onde as pessoas conseguem trabalhar em paz”, explica Cecília.
Segundo ela, outra questão que carece de análise mais aprofundada é o porquê desse fenômeno. “Já temos dito ao longo dos anos que o trabalho do professor tem aumentado. Só que isso vem ano a ano se acentuando e é provável que ano que vem piore ainda mais”, argumenta.
No entendimento da educadora, existe uma grande e crescente preocupação em atender às especificidades dos alunos. “E não se fala apenas em alunos com deficiência, mas em alunos sem laudo, que são diferentes, entre si. A escola antes não fazia isso. A escola transmitia um conhecimento geral e cada aluno tinha a sua percepção, o seu entendimento daquilo. O que era muito injusto. Se a apreensão desse conhecimento não fosse aquela projetada ou planejada pelo professor, não era valorizada”.
A avaliação, constata Cecília, é um dos aspectos que deixa os professores mais estressados. Recentemente, o Sinpro/RS recorreu ao Ministério Público e ao Conselho Estadual de Educação para limitar o número de estudantes com deficiência nas turmas. “Não é que os professores não queiram receber muitos alunos, mas porque eles não têm condições de arcar com toda a demanda”, contextualiza.
Ela conta que, em visita a uma escola da Região Metropolitana de Porto Alegre, conversou com uma professora tentando dar conta de 13 alunos com deficiência em uma turma de 35 estudantes. “Nenhum monitor ou auxiliar estava na sala de aula para auxiliar esta docente”, testemunha a sindicalista.
“Também houve um caso de professora atacada por um aluno de inclusão por absoluta falta de recursos na escola para prevenir este tipo de situação. Infelizmente, não se trata de um caso isolado. Por outro lado, precisamos entender que não podemos considerar essas situações como agressão, mas como uma instabilidade característica de determinados alunos. Mas o trauma do professor, muitas vezes, o impede de encarar a sala de aula. As instituições de ensino precisam dar mais apoio e estrutura, porque se não o professor fica sozinho com a responsabilidade de fazer, de fato, a inclusão de estudantes, justifica.
Antônio trocou as 32 horas semanais de docência em uma fundação privada — que atua com crianças e jovens de regiões de vulnerabilidade socioeconômica — pela vida de empresário. Aos 36 anos, especialista em startups, alegou como principal motivo a baixa remuneração diante da carga de exigências e a falta de flexibilidade da escola para acomodar sua participação em feiras e congressos, mesmo quando resultariam em incremento aos conteúdos trabalhados no ensino médio, área em que atuava. “Eu estava ali porque achava que podia fazer a diferença podendo levar a minha experiência adiante – atuo com inovação e startups desde os 23 anos. Fazia bastante sentido para mim, porque era um conteúdo que era muito parecido com aquilo que eu vivenciava no dia a dia e eu achava que podia fazer bastante diferença ensinando o empreendedorismo para os jovens.”
A Professora de Matemática Jacqueline, 37 anos, dez de profissão, motivada pelas experiências de aulas on-line durante a pandemia, se deu tão bem com o uso de plataformas e tecnologia que resolveu trocar a remuneração recebida em duas escolas, com dedicação de mais de 50 horas semanais, para dar suporte a outros professores. “Em 2022, abri minha empresa e comecei a trabalhar com marketing escolar, fazendo gestão de mídias sociais de instituições e de profissionais da educação. Me desliguei de uma das escolas para tocar a empresa. Além de palestras, ofereço acompanhamento a professores que querem dominar melhor a tecnologia, como, por exemplo, o uso de Canva e IA. Ainda me considero professora, mas mudei de área de atuação”, explica.
Bernardo, 41 anos, teve sua principal desmotivação na falta de interesse dos estudantes e na baixa remuneração. Profissional de comunicação, sua trajetória docente começou com o Novo Ensino Médio, por conta de suas habilidades em design e desenvolvimento de sites. Lecionou em duas grandes instituições. “Atuando como gestor de projetos, tenho uma remuneração alta, que dificilmente uma instituição de ensino vai cobrir em 40 horas semanais. Como professor, eu não iria conseguir chegar a essa mesma remuneração, de acordo com a comparação com o mercado de trabalho na área de gestão — tanto de projetos quanto de produção de áudio, publicidade e dublagens, que também faço. Outro ponto, e isso compartilho com colegas de outras disciplinas como Matemática, História, Biologia, é a total falta de comprometimento dos estudantes adolescentes na faixa dos 14 a 16 anos. É desestimulante”, sublinha.
Os docentes ouvidos nesta reportagem tiveram seus nomes trocados e as instituições foram igualmente omitidas a pedido dos mesmos.
Fonte: Extra Classe